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Porque Fogo Morto, de José Lins do Rego, é considerado a obra máxima do Ciclo da Cana de Açúcar?*

Podemos responder, entre outras coisas, porque é construída com recursos narrativos modernos, à margem do gênero de outros livros seus do autor - a memorialística. Ela exige coragem do autor (para se enfrentar), e, em segundo lugar exige coragem em dobro para arrostar aqueles que, transformados em meros personagens, renegam a sua narrativa

Em Fogo Morto ele transforma em mito o fim de um período colonial da história do Brasil, mostrando a falência do modelo social dos engenhos, do qual ele se sente órfão. Assim sendo, a matéria nordestina ganha uma estrutura narrativa de planos que se sobrepõem, condensando todo um tempo. Fogo Morto é o décimo romance do autor e revela o processo de mudanças sociais passados no Nordeste brasileiro, num período desde o Segundo Reinado até as primeiras décadas do século XX.

Na verdade, apesar de sua estrutura literária sólida, Fogo Morto é um documento sociológico, que retrata o Nordeste e a oligarquia composta pelos senhores de engenho, ameaçada com a chegada do capital proveniente da industrialização. São engenhos de “fogo morto”, onde decai o patriarcalismo com suas tragédias humanas. O romance é a expressão de uma cultura, pois retrata o mundo da casa grande e o mundo da senzala com as conseqüências sociais do relacionamento de um com o outro.

Desponta assim um regionalismo novo, diferente do regionalismo romântico: o exotismo e o pitoresco não interessam mais. Surge agora um Brasil doente, com fome, escondido que estava sob uma capa de “civilizado”. Surgem os problemas mais graves: o baixo nível de vida, o banditismo, a superstição, uma população dominada por uma classe minoritária. Esse tipo de regionalismo crítico aparecerá também nas obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. Convém frisar que José Lins do Rego poderia ser colocado sob a bandeira do Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre.

O tema central de Fogo Morto é o desajuste das pessoas com a realidade resultante do declínio do escravismo nos engenhos nordestinos, nas primeiras décadas do século XX. Gira em torno de três personagens empolgantes, que são as três mais fortes personagens da sua criação ficcional. São elas: o mestre José Amaro, o artesão, o major Luís César de Holanda Chacon, o senhor de engenho decadente, e o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, que é, sem dúvida, a maior personagem do livro e de todos os romances de José Lins do Rego.

Quando José Lins do Rego publicou Fogo Morto, já não se discutia mais a necessidade de renovar a linguagem literária brasileira na ficção. O compromisso regionalista de José Lins do Rego é sobretudo de âmbito popular, e é exatamente a linguagem popular da Paraíba, isolada de influências externas, conservada em sua autenticidade regional, que o escritor utiliza. É a linguagem dos poetas populares, distribuída, agora, com um ritmo narrativo mais tradicional.

Quando Mário de Andrade, em Macunaíma, procurou usar uma língua comum a todas as regiões do Brasil, ele estava consciente de estar realizando um experimento e não de estar criando uma linguagem. Mário apenas mostrou o que poderia e deveria ser a experiência coletiva de um povo. José Lins traz para a literatura a estilização da linguagem regional com absoluta autenticidade espontânea e pura, colhida na própria fonte, sem influência erudita.

*Colaboração de sites de Literatura e professores amigos.

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