O adeus à Evandro Valério(Nestor) Destino: esse trem que nos transporta
Começo dizendo que fiquei devastado com a morte do amigo de adolescência Evandro Valério, pois foi algo que nos pegou de surpresa. Ainda bastante abalado pela partida de Papai Moraes, não houve como segurar. Evandro foi muito importante para nós, ele nos impulsionava a pensar.
Era(foi) normal que Evandro quedasse por movimentos de Esquerda. Leitor voraz do "Capital"(Marx), apaixonou-pelo velho da Mais Valia, sem no entanto deixar de ler Kiergard, Schonpenhauer, Keynes, entre outros pensadores. Gostava também de Carl Jung quando o assunto era psicanálise.
Mesmo nas brincadeiras lá em casa - com João Pacheco, Eraldo Galindo, Tadeu Laranjeira, Ediel Guerra etc - sempre dava um jeito de descontrair. Mamãe Anajás fazia o licor de tamarindo que ele tanto gostava. Ele dizia: "Dona Ana, esse licor lembra aquele romance - 'Dr. Jivago'", livro de Boris Pasternak ambientado na Rússia.
Tínhamos gostos parecidos. Como eu, ele adorava os "Beatles e os Rolling Stones". Dizia que Paul McCartney devia ser prior de um monastério, enquanto Mick Jagger era o enviado do Diabo. Eu rebatia dizendo que os dois eram apenas capitalistas do entretenimento. Ele adorava Elton John, com aquelas capas espalhafatosas do "Capitain Fantastic" e do "Yellow Brick Road". Eu não respeitava Elton por achá-lo muito pop. O tempo mostrou que Evandro tinha razão, Elton se tornou um grande músico.
Nos anos 70 passei uma temporada em Salvador com um primo - o poeta Ridha que era adepto dos beatnicks e da poesia concreta. Fiquei meio hippie, deixei barba e cabelos crescerem. Comecei a fazer poesia concreta, mas não levei à frente. Evandro não entendeu. "Você quer enganar a quem? Você nunca vai ser esse revolucionário que aparenta, vá ser guache na vida", rebateu.
Da Bahia trouxe também a leitura da Tropicália e essa parte é a que mais lembro. "Tudo que eu sei de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Novos Baianos foi Muriê que me ensinou, ninguém em Arcoverde sabia desses caras", disse ele que era apaixonado pelo LP "Transa", gravado em Londres.
Quando, nos anos 80 em Recife, fui "apresentado" ao U2 por Paulo Valença(primo de Alceu), fiquei ansioso por mostrar a força da música dos irlandeses a Evandro. "Mas Muriê, o rock está sempre mesmo nos redimindo, vê aí - essa música, essa voz de Bono é demais", disse.
Nos últimos anos nossos contatos foram rareando. Depois da morte da esposa(Telma), Evandro ficou um pouco recluso, se dedicou a ler mais, a dar aulas(na Aesa e Carlos Rios) e a criar os dois filhos. Anos mais tarde casou de novo, mas essa é uma fase que pouco sei. O encontrava, de supetão, ao cruzar pelas ruas, as vezes tentava me aproximar mas não via reciprocidade da parte dele.
Ficou tudo isso que foi vivido. Alguém que me ensinou a ser um ser humano melhor, mais justo.
Nos perdoe Evandro, se nós não fomos capazes de prescutar suas angústias e medos. Nós estávamos muito ocupados com nossa vidinha, com o alter-ego, cheios de "minis certezas", como dizia Cazuza.
Vai em paz amigo. Digo sem medo de errar: você é um desses cometas que passam de 100 em 100 anos. Fica na luz do Senhor!!!
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